• Não dá pra voltar atrás no que foi dito
  • Não dá pra voltar atrás no que foi dito


    A palavra é uma ação inteira. Quanto mais forte ela é, maior o estrago que ela faz. Não interessa se você não queria dizer exatamente aquilo, se você estava nervoso(a), se saiu sem querer, se a verdade segundo o seu ponto de vista precisa ser dita da maneira mais dura possível, o que importa é que uma vez pronunciada, a palavra não tem caminho de volta. Ela pode construir, como pode devastar. Quando bem dita desperta sorrisos, atrai amigos, acalma sentimentos, consolida laços. Quando mal dita ilude, cria expectativas, alimenta mágoas, enfraquece relações, e machuca. Retalha dolorosamente aquele cantinho do coração que a gente deixa guardado só para as pessoas especiais, que a primeira vista nunca serão capazes de apagar nossa melhor risada.

    Abrir a boca para falar é muito fácil. A reação de verbalizar tudo que vem à cabeça em um momento de fúria ou consternação é muito mais rápida do que o instinto de silenciar por uns breves segundos e esperar a poeira do momento abaixar. E o problema é que depois de expressar poucas e boas, na maioria das vezes somatizadas pela exaltação da conversa, a gente acredita que pode passar uma borracha mínima e simplesmente arquivar em alguma caixa oculta todas as exclamações que foram ditas. Bom, não é bem assim que as coisas funcionam.

    Dificilmente uma palavra que fere será esquecida. A briga pode se resolver, os beijos podem selar a calmaria, acontece que a palavra que ganhou voz naquele segundo delicado relembrará a sua existência dentro da gente nas horas mais inoportunas. Engana-se quem acha que isso tem qualquer relação com perdão ou remorso. Uma coisa é recomeçar, confiar em novas chances, não ficar batendo insistentemente naquela tecla até o ego do outro ruir. Outra completamente diferente é pegar aquela flecha venenosa que foi lançada e arrancar de dentro do peito a força, dilacerando tudo que muitas vezes demorou anos para ser reerguido. A gente simplesmente deixa o dardo ali, inerte, até que a dor da fincada inicial pare de latejar e nos permita cuidadosamente seguir adiante. A palavra não deixa de existir na nossa travessia, mas vez ou outra ela rompe aquele estado de entorpecimento unicamente para recordar a sua presença. Contra certas armas gramaticais nem o maior dos amores possui antídotos.

    É realmente difícil segurar a onda na hora da raiva e não sair chutando o balde demonstrando todo e qualquer sentimento atravessado que cruza as nossas pregas vocais. O engraçado é que para agradecer, reconhecer o erro, elogiar, chamar para sair, a gente pondera tanto, reflete tanto, que a frase caminha lentamente até a ponta da língua e retorna diversas vezes. Quando se trata de obedecer ao ego, manter a sua “superioridade” durante um diálogo, e sustentar a guarda para não parecer vulnerável a palavra não tem medidas, limites e acima de tudo, não tem filtros. Aprender a se comunicar deveria ser a primeira regra dos relacionamentos hoje em dia. De todos eles. Não sair cuspindo palavrões, agressões verbais, não cutucar aquela experiência sensível do outro com ironias e julgamentos, realmente aprender a transmitir o ressentimento que precisa ser resolvido. Só assim a gente consegue minimizar as dores e as flechas lançadas antes da pessoa que a gente ama, que a gente escolheu para ser cúmplice e parceiro, se torne um alvo cravejado de provocações.

    Não sou a favor de engolir sapos, muitos menos de não manifestar as chateações do dia a dia. A gente precisa falar sim, palavra não dita também adoece. Mas existem maneiras e maneiras de se noticiar um sentimento. Quando se escolhe com cuidado, delicadeza e atenção aquilo que será contado, a forma como a outra pessoa recebe a informação também é suavizada e amenizada. A conversa realmente se torna um diálogo, o recado será efetivamente passado, porque durante uma briga a tendência é a mensagem se perder em meio às ofensas, e o tempo destinado à “discussão da relação” será reduzido dramaticamente.

    Pensar antes de falar, mais do que uma virtude é uma necessidade. Digo de novo, palavra não tem volta. Dois anos depois se for conveniente para ela acordar de seu sono profundo, acredite, ela vai te assombrar com uma força inacreditável. Porque talvez tão complicado quanto lidar com a mágoa na hora é guerrear com ela depois, quando não existem mais motivos aparentes para a batalha. Nem mil boas ações são capazes de aliviar o estrago de uma palavra dita no impulso. Melhor mesmo é respirar bem fundo, adiar o debate se for preciso enquanto os ânimos se acalmam, e quem sabe escrever o que precisa ser falado para se ter a certeza de que tudo sairá conforme o planejado. Perder um amor, um amigo, uma pessoa especial para o timing, a distância e até para outro amor, são incompatibilidades e desencontros que fazem parte da travessia. Perder um amor por um deslize verbal nosso não tem primavera que cure, nem arrependimento que faça o relógio do tempo tiquetaquear para trás.

    danielle


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