• O que traz dor não é o amor – é a falta dele
  • O que traz dor não é o amor – é a falta dele


    Amar é fácil. Muito mais fácil do que muita coisa que você já fez na vida. Mais fácil do que aprender a andar, a falar, a ler, a escrever. Do que conjugar corretamente qualquer verbo irregular. Do que calcular as propriedades de força de um pistão hidráulico – ah, física, a eterna pedra no meu sapato. Do que encarar o trânsito caótico de São Paulo. Do que pegar metrô na Consolação às seis da tarde. Do que queimar todas as calorias que você ingeriu numa tarde regada a sorvete e batata frita. Do que ser mulher numa sociedade machista. Do que passar no vestibular. Do que conseguir o primeiro emprego. Do que sair da casa dos pais.

    Difícil mesmo é ser correspondido. É sentir o coração pulsar na mesma sintonia do coração do outro. É planejar junto – seja um jantar na quinta, uma noite de jogos no sábado, uma viagem nas próximas férias ou um apartamento alugado dali a dois anos. É combinar as cadências respiratórias na hora de dormir. É deitar em casal numa cama de solteiro e aproveitar o aperto para estar mais perto. É sentir o braço formigar na conchinha e ainda assim ter certeza de que não há posição melhor para estar em uma noite fria. É comemorar a vitória do outro porque ele também lamentou a sua derrota. É ter com quem contar.

    E isso não se encontra em qualquer esquina.

    Bem diferente de um rosto bonito – rostos bonitos a gente vê em cada quarteirão, dentro de cada ônibus, em cada sala de espera. Ou de um corpo bonito – corpos bonitos a gente encontra de baciada em cada academia, em cada balada, em cada shopping da cidade. Um amor correspondido pode até começar quando dois rostos ou dois corpos bonitos se encontram, mas nunca – absolutamente nunca – se limita a isso.

    E é aí que a gente se pega surpreendido. Porque, muitas vezes, a pessoa que a gente ama não é a mais bonita que a gente já pegou na vida. Nem a mais gostosa. E não tem nada a ver com o tipo ideal que a gente passou a vida projetando – ou que os nossos pais projetaram para nós. Mas é, curiosamente, a mais interessante. A que mais combina com o nosso jeito preguiçoso – ou hiperativo – de ser. A que mais vai se empolgar em passar o sábado à noite na nossa companhia – seja assistindo Netflix, dançando até o chão ou desbravando durante horas e horas as feirinhas e bazares da redondeza. A que mais vai entender aquela insuportável mania que a gente cultiva de comer e imediatamente dormir, como uma Branca de Neve que tivesse degustado a maçã envenenada. A que mais vai amar cada uma das nossas virtudes e respeitar cada um dos nossos defeitos.

    E qual o problema? – você deve estar se perguntando. O problema, moça, é que a gente é apegado à superfície. E de tão apegados, não raro, nos chocamos com a diferença entre o nosso projeto e a realidade. Afinal, pode ser que o príncipe encantado não venha num cavalo branco. Ou que não seja tão encantado assim. Ou que sequer seja um príncipe – por que não uma princesa? E aí a gente hesita, achando que não é hora de se entregar – e sim de esperar só mais um pouquinho pra ver se o universo não bota no nosso caminho alguém mais parecido com tudo o que a gente imaginou. Ledo engano, moça. Talvez o pior dos enganos que você pode cometer na vida.

    Se é amor, saia da superfície. Permita-se afundar. Não hesite, não se contenha, não desista. Se é correspondido, não tem por que dar errado. Não tem por que fugir. Não tem por que doer.

    Afinal, o que traz dor, moça, não é o amor. É a falta dele.

    bruna


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