Quando ela vai embora, você fecha a porta do seu apartamento sem saber o que fazer na casa vazia. Passa um tempo encarando a porta fechada, as luzes oscilantes, o barulho que vem de fora da janela. Pensa em alguma coisa e não consegue organizar os pensamento, é tudo turbilhão, você tem medo de se esquecer como era o rosto dela. Todo mundo tem medo de perder tudo, perder tanto a ponto de não se lembrar mais dos pedaços do outro.
Quando ela vai embora, você sente fome. Você pega os adesivos presos à geladeira e faz a conta do tempo que vai demorar pra chegar alguma coisa e de quanto tempo você aguenta sem dormir. Tudo parece mais lento, tudo é sonolento. Não tem mais o que esperar pra decidir, agora a decisão é sua. A partilha acabou, vocês não vão revezar mais nada, vocês não vão pedir meio a meio. Você também percebe que vai ter que aprender a pedir as coisas pra uma pessoa só.
Quando ela vai embora, você sente que agora tem espaço. Não que não tivesse antes, mas agora incomoda. Metade do armário tá vazio, mas você nem tem tanta roupa assim pra guardar ali dentro. A outra metade da cama agora é sua, mas você nunca foi espaçoso. Você tem duas escovas de dentes e um monte de rótulos de shampoo que não servem pro seu cabelo. Ela também esqueceu as chaves do carro, você não sabe dirigir. Você não sabe se liga pra avisar, porque ainda dá tempo. Você não sabe se ela já tá longe no táxi, melhor não incomodar. É essa a sensação que fica: você não sabe o que fazer.
Quando ela vai embora, você repassa mentalmente a última conversa. Quem tomou a decisão. Quem fez o quê. Você percebe que não precisava saber dançar, a coreografia foi perfeitamente executada. Não gaguejaram, não choraram, não tentaram negar nada, não fizeram esforço pra controlar o outro. Na vida real, geralmente aceitar tudo de primeira dói mais que fazer uma novela na despedida. Você percebe quando deixa a apatia e o choque de lado e senta no corredor que liga o quarto à sala.
Quando ela vai embora, a ficha ainda demora pra cair.
Quando cai, você entende perfeitamente o que acabou de acontecer.
Você, ela, essa casa, essas coisas, tudo.
Nada disso vai ser a mesma coisa daqui pra frente.