Meus pais nunca entenderam o porquê de eu não querer morar na casa deles e ficar na minha cidade já que seria mais fácil. Todo santo telefone que a gente troca é motivo pra eles dizerem que não entendem porque eu passo aperto se lá em casa as coisas seriam melhores. Também reclamam da profissão que eu escolhi, dizem que mexer com internet não traz estabilidade, que eu deveria conseguir um emprego público. E solteiro nos meus vinte e poucos? Inadmissível. Devo estar passando por algum breakdown afetivo.
Mas pai e mãe, vocês nunca entenderam, não é?
Eu sempre admirei pra caramba o esforço que eles tiveram – e não foi pouco -, pra que eu pudesse chegar até aqui. Fui bem além do que conseguiram, mas ainda assim não atingi os níveis de satisfação que queriam. Comecei escolhendo uma profissão moderna que não ganha muito, depois resolvi voar cedo demais do ninho. Eu mal sei cozinhar tudo o que eles sabem, mas me viro aqui e ali com o que aprendi. Depois, eles desaprovaram o fato da vida ter me feito amar alguém do mesmo sexo que eu. E aí acabou o sonho de ser a extensão dos sonhos deles.
Uma vez me disseram que os pais têm filhos porque eles são a benção da imortalidade. É uma maneira de transcender a história, enganar a morte e permanecer vivo através das gerações, seja nos traços idênticos estampados nos nossos rostos, seja nas memórias que carregaremos por aí. Um filho, geralmente, enxerga seus pais como ídolos ou vilões, isso vai depender da fase da vida dele e da relação com as perspectivas dos pais. Chega uma hora que pais deixam de carregar esse fardo e se tornam apenas pais, essas pessoas que escolheram nos gerar e que se tornaram responsáveis por nós até mesmo quando eles não forem mais responsáveis.
E acredito que todo filho sinta uma dívida com os pais: a dívida de orgulhá-los, de fazer com que eles se sintam realizados, de fazê-los felizes até o fim da vida. Não me eximo deste grupo e sinto tudo isso. Mas não acho que seguir os mesmos passos deles vá pagar essa dívida, até porque eu nunca quis ter a mesma vida que os meus pais. E é exatamente isso que eu queria que eles entendessem.
Não é porque eu escolhi uma carreira arriscada que eu não dou duro, não corro atrás de certa estabilidade, não tenho planos cheios de sonhos para um futuro na carreira. Não é porque eu escolhi tentar viver em lugares diferentes sem criar raízes é que eu não saiba o real significado do que é ter um ninho. Não é porque eu não estou preparado – e talvez nunca esteja – que eu não possa enfrentar o mundo fora das asas deles. E também não é só porque eu amo outro cara que eu não possa constituir uma família bonita e cheia de amor como eles esperavam que eu tivesse.
Pai e mãe, eu não quero ter a vida que vocês tiveram. Não mesmo. Quero ter a minha vida e isso não significa que nós não possamos andar juntos. Só significa que talvez eu pegue um vôo longo e fique fora por um período, mas daqui a algum tempo eu volto para visitá-los. A gente sempre volta.
