Depois eu que eu mudei, comemorei intensamente a vitória da liberdade. Aquelas pequenas conquistas anárquicas que aparecem no dia a dia sem a gente perceber, sabe? Beber água direto da garrafa, largar louça na pia pra limpar pela manhã, comer a sobremesa toda de uma vez e outras bobagens que nós comemoramos na doce ilusão de que isso é ser livre.
Evitava a fadiga de visitar meus pais na minha cidade natal. Além dos custos de de passagens, havia o custo emocional do deslocamento. Não sinto que me encaixo mais na casa, no bairro, nas ruas, no papel que não é mais meu lá dentro. Sinto que fui destacado um pouquinho, e demorou para eu aceitar a ficha caindo de que o meu lugar era outro. Casa de pai e mãe tinha outro significado.
Mas o tempo é o melhor professor, não é mesmo?
Alguns poucos anos depois de estabelecido, de entendido na arte da solidão de morar sozinho, a saudade de casa apertava em cada quina de móvel que tinha no meu apartamento. E posso te dizer com toda a convicção do mundo que não é uma saudade mesquinha, dessas que sente falta do conforto da comida na mesa e das roupas limpas. É uma saudade latente que te faz reconhecer a importância da família, da memória afetiva e de todos os traços que fazem parte de você.
A gente tende a ser muito egoísta com o passado quando nós decidimos romper com ele. Chega a ser engraçada a maneira como eu concordo quando mamãe me chama de ingrato, tanto por conta das minhas poucas voltas ao Rio quanto pelo fato de eu não ligar (literalmente) pra casa. Talvez seja a sensação de que não precisamos mais, de que não temos tempo, de que não é tão importante fazer isso agora, de que a prioridade é outra e mais um monte de motivos que até parecem razoáveis para não darmos atenção a quem ficou em casa contando vil metal. Mas ficar sozinho te dá uma dimensão diferente das coisas.
Cê passa a sentir falta do colo de mãe, mesmo que isso venha com as broncas. Cê sente que deveria pedir um conselho pro teu pai, por mais antiquado que ele possa parecer. Cê quer sentir o pé ardendo em chamas no asfalto quente da rua em que você tanto jogou bola no fim de tarde. Cê quer o beijo na testa que te desperta de manhã cedo antes de ir pro colégio que só a vó sabe dar. Cê sente falta até de dividir o quarto com o irmão mais novo que não aparece com tanta frequência mais. Cê sente uma urgência enorme em aproveitar o que a gente chama de casa, antes que só sobrem algumas paredes e ninguém dentro pra contar as tuas histórias de criança.
Você sente tanta coisa que não cabe num texto, numa ligação, nuns dias de férias aproveitando a família. Só cabe dentro do peito que, felizmente, foi feito forte pra suportar tanta saudade. Foi feito de carne e aço pra nos lembrar que, por mais que nós achemos que não, sempre vai ter lugar pra gente em casa mesmo que a gente decida mudar pro outro lado do mundo.