Passou por mim um cara bem feio e sua namorada extremamente feia. Eles se beijaram de um jeito asquerosamente feio. Eu tinha sete anos e fiz uma cara feia, de tão distorcida. Não gostava de ver línguas escapando da boca dos casais. A minha mãe me lembrava “o amor é cego” e todas as dúvidas para entender certas duplas se esclareciam. Quando cresci, me dei conta de que estava sendo muito superficial ao julgar pessoas pela carcaça. Também amamos cegamente gente chata, mentirosa, grosseira, prepotente, egocêntrica. Além de cego, nomeei o amor de burro, surdo, tolerante, paciente e, principalmente, ingênuo.
Na única vez que tomei um fora sem desconfiar, a frase “o amor é cego” voltou a minha cabeça, me proibindo o sono. Era o fantasma da minha mãe, aprofundando o sentido da frase: você gostou dele de vendas. Você não leu os sinais. Você estava cega e não percebeu que ele não te queria. Como assim não me queria? Até hoje tento reviver os dias com ele, pra ver se pesco algum farelo de insatisfação ou desamor que tenha me sugerido. Só constato a minha cegueira mesmo.
Quando você se apaixona, os defeitos da pessoa evaporam. Você releva quando ele se exalta com um garçom, porque ele te traz café-da-manhã na cama. Ignora uma resposta atravessada, porque ele acordou no meio da noite pra te levar ao hospital. Não se importa quando ele se esquece do aniversário da própria mãe, porque ele diz pra todo mundo que você é a mulher da vida dele. Mais do que relevar as coisas ruins, o amor não as percebe. Não enxerga mesmo. E, se enxerga, não faz disso um motivo digno de uma DR ou de um comentário. Deveria.
O desinteresse dele se esconde na sua alegria por estar ao lado de alguém tão apaixonante. Os sinais estão fedendo embaixo do seu nariz, mas você está gripada. De repente é manhã, ele acorda ao seu lado e te surpreende, trocando o bom dia pelo ponto final.
Agora me lembro, o meu ex acordou falando de uma mancha no meu rosto, que ele começava a reparar. Uma mancha que eu tenho há anos. Eu ganhava defeitos de alguém que não os enxergava. Meu ex abria os olhos. Será que foi esse o sinal?
Infelizmente, não existe cirurgia pra quem sofre de cegueira a dois. Como vamos remediar algo que nem notamos?
As consequências da ingenuidade do amor machucam, mas não aconselho ninguém a evitá-lo. A frase “que seja infinito enquanto dure” de Vinícius de Moraes só faz sentido nesse momento. A sensação de que a vida pode sufocada de felicidade, presentinhos e mensagens em dias e horários insignificantes, tudo que faça os olhos sorrirem; isso paga as dúvidas que ficam quando o relacionamento escapa.
O lado bom é que, com o tempo, vamos aprendendo a espremer o coração, em vez de cegá-lo, como criança fingindo pros pais que não está vendo a cena de sexo na TV. E se a pessoa terminou com você sem sinalizar, ou pelo menos sem que seu amor percebesse, relaxe. Ele apenas se deu conta antes, que vocês não serviam um pro outro. Agradeça. Não agora, quando tudo ainda arde, “posto que é chama”. Um dia, é claro, quando esse amor evoluir de cego a invisível.