• Crônica da despedida
  • Crônica da despedida


    Terminou. E você, como sempre, estava certa: tudo termina. Às vezes de um jeito rápido, como um estalar de dedos. Noutras, como agora, tudo parece se arrastar em câmera lenta, um filme noir que não tem pressa para chegar ao fim.

    Hei de aproveitar cada instante dessa dor, desse pesar, desse emaranhado de lembranças porque sei que, em breve, tudo deixará de ser. Teu cheiro irá embora apenas para me assombrar quando surgir em outros corpos. Teu gosto fugirá dos meus lábios e, um dia, será como se nunca tivéssemos trocado um beijo. Tua voz, minha música favorita, será silêncio absoluto.

    O sono foge pela janela cada vez que, ao deitar, minhas pernas tentam se confundir com as tuas e só encontram o lençol gelado. A cama deixou de me servir: antes parecia pequena demais para nós dois, agora não cabe mais no quarto – assim como a saudade não cabe mais em mim. Entre dormir e não dormir evito acender as luzes: fazer isso seria te reconhecer em cada canto desse lugar que já foi tanto teu quanto meu.

    Não quero de volta nenhum dos presentes que te dei. Se puder, porém, gostaria de voltar a ouvir aquele disco do Vinicius sem reconhecer teu sorriso em cada música. Seria menos triste, também, lembrar de Buenos Aires sem ouvir tua voz arranhando o pior (porém mais sensual) espanhol que tenho lembrança. Por fim, se não for pedir demais, devolva a alegria dos meus domingos, repletos da tua presença, tanto nas tardes quentes, em que nos aventurávamos pela cidade, quanto nas horas chuvosas e frias, tão nossas, quando devorávamos todas as séries ruins já feitas.

    Esses dias vazios serão preenchidos tentando responder a pergunta que nós dois ouviremos muitas vezes: por que acabou? A resposta é óbvia, mas não me aquieta: porque, como você mesma já falou, as coisas acabam. Às vezes parece que nós – e todos nossos amigos – já esperavam isso. Outras vezes não vejo nenhuma razão, nenhum porquê, e isso me faz pensar que a vida é essa incoerência sem fim, mesmo: acabou por mil motivos e por nenhum. Acabou porque era para acabar.

    Ainda assim, não irei bradar que “deu errado”. Nós demos certo, e muito certo. Fosse o contrário, não doeria, sequer deixaria as marcas que deixou. Demos certo até que, de repente, chegou ao fim. Aceitar isso é diminuir a duração desse luto – porque, felizmente, ele também tem hora para acabar.

    Agora vai e ama. Afunde-se noutras paixões, noutras histórias. Escreva dezenas de outros capítulos na vida das pessoas sortudas que irão conhecê-la. Um dia, quando a tinta secar e as cicatrizes se fecharem, voltarei algumas páginas para relembrar todas as linhas que escrevemos juntos. Se tudo correr bem, será como reler um livro querido, guardado há algum tempo no fundo da estante. Eu te amei à primeira vista – e continuarei amando, até minha vista deixar de te ver.

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