Tinha pavor de sótãos e quartos fechados com tranqueiras em casas grandes. Pavor mesmo. Desde pequeno me recusava a entrar sozinho num desses lugares porque achava tudo muito escuro e sombrio, com grandes probabilidades de estar amaldiçoado – e ainda tinha o combo rinite e sinusite que me faziam sair de lá como se tivesse sido atacado por um fantasma biológico.
Depois de adulto meu medo de acumuladores de passado, como eu costumo chamar esses lugares, diminuiu consideravelmente. Entro pra guardar o que tiver que guardar neles, remexo, encontro memórias, fico ali por um tempo. Não só nos meus sótãos, mas no dos outros também, metaforicamente falando.
No entanto, percebi que alguns amigos meus nunca perderam o medo de vasculhar no meio dessa tranqueira. Te explico: muitos amigos meus morrem de medo de tocar no passado, seja deles ou das pessoas com quem se relacionam. É um pavor generalizado que declara de longe que odeia que o outro fale das coisas que viveu. Dentro dessa categoria, o tipo de porão mais aterrorizante é aquele onde o outro abriga os ex-relacionamentos. Esse sim parece amaldiçoado e eles correm de lá como o diabo corre da cruz.
Não entendo.
Ora bolas, viver a dois não significa partilhar da vida com a pessoa? E por vida entende-se tudo o que a formou até agora, seja o presente no qual ambos vivem, seja o futuro que pretendem construir juntos. Por que não o passado? Por que esse medo extraodinário de falar e/ou saber sobre os ex?
A maioria de nós acha que falar sobre os ex das pessoas que a gente ama é uma forma de ressuscitar os sujeitos, como se mencioná-los 3x fosse fazer com que aparecessem automaticamente na nossa sala de estar. Nos esquecemos de que eles são ex por algum razão e graças a eles é que temos quem temos hoje em dia – seja por terem ido embora, seja por terem sido péssimos.
Falar sobre os ex pode ser bastante positivo. Pode fazer com que a gente entenda traumas, problemas e questões cotidianas que o outro apresenta e a gente não entende o fundamento; pode ajudar a compreender como a gente tá sendo diferente e significante na vida de alguém. Mas o medo de remoer o passado é tanto que a gente só enxerga ex como ameaça, com ciúmes que gritam mais do que criança assustada: o ex do outro é o fantasma que a gente teme em encontrar no porão.
Parto do princípio de que partilhar do passado e descobrir um pouco da história do outro com o ex é uma forma bonita de enterrar bem as coisas. Ao invés de ciúmes, deveria suscitar confiança, já que nossa amada (ou amado) confia o bastante na gente para falar de algo tão íntimo como um amor passado. Dentro do possível, falar sobre ex deveria ser sinal de alforria sentimental – e você não precisa entrar em detalhes sexuais ou comparações. Isso é armadilha. O que eu tô falando aqui é liberdade de comentar situações gerais e afetivas sobre como ela(e) se sentiu durante aquele tempo, e você também deveria fazer isso. Ouvir de outro sobre seu passado é sinal de segurança e compreensão afetiva, é como se a gente ouvisse uma história de conto de fadas, que pode ser impressionante ou terrível, mas que no fim não vai passar de um livro fechado em cima da escrivaninha.
Problema mesmo a gente percebe quando tocar no nome do ex é um tabu. Porque fantasmas só dão medo quando ainda acreditamos neles.