Eu imagino que a partir de agora você queira mudar o caminho do centro até sua casa, e eu te entendo. Mas caso passe por aqui qualquer hora, quando seus pés te traírem sem querer, vê se me chama. A casa ainda vai estar meio bagunçada, mas vai ser bom te ter aqui pra dizer isso. Já que todos os meus calçados se acomodaram juntos, no meio do quarto, pra evitar a solidão debaixo da cama. Ainda tem chocolate. Bastante. Tem refrigerante na geladeira também. Daquela marca que você gosta.
Andei baixando uns filmes novos, coisa que nunca vi antes. Se estiver passando aqui na frente agora, grita meu nome. Eu levanto assim mesmo, com aquela camiseta velha e desbotada, com a bermuda toda surrada, corro até o portão e deixo você entrar. Pode ser que os edredons não estejam muito arrumados e a cama até pareça maior agora, mas deita que a gente faz parecer aconchegante pra nós dois.
Ainda é verão, eu sei, mas você sabe como o inverno daqui é horrível. Tenho muitos cobertores guardados, mas não queria que todos eles fossem necessários pra esse ano. Lembra quando você chegava mais cedo e deitava comigo só pra dizer “como você tá quentinho”? Os olhos pesavam, a gente dormia e só acordava perto da hora do almoço, rindo porque caímos no sono e perdemos mais uma aula.
Tudo aqui respira você e lembrança tua. Os móveis ainda não cansaram de me perguntar quando é que você volta. Tentei acalmá-los várias vezes; contei histórias, cantei, mas já estão sendo medicados. Os azulejos também sentem falta dos seus pés, viu? As canecas reclamam de só sentirem os meus lábios e as maçanetas e interruptores não entendem o motivo das suas digitais não aparecerem há tanto tempo. E é por isso que eu te peço: quando tiver um tempinho, passa aqui. Não é nem por mim, mas é por todas as coisas vazias que você deixou, e por todos os cantos da casa, que não escutam mais tua voz.
Sei lá, não precisa ser agora. Pode ser daqui uns dias, meses, enfim. Mas não esquece, tá? Pode ser só pra ficar uns 15 minutinhos ou só pelo tempo de um abraço. A casa continua aberta. Meu coração também. Passa aqui?