• Que saudades… de mim
  • Que saudades… de mim


    Terminar um ciclo, fechar uma história deve ser sempre assim. Não conviver mais com aquela pessoa que por tanto tempo preencheu um enorme espaço em nossa vida é um verdadeiro martírio. Passamos a não saber mais sobre seus hábitos, sobre o seu dia, seus fardos e suas alegrias. Aquela pessoa que ontem era tão presente, torna-se agora um estranho, um “outro”.

    Inicialmente a falta e o apego àquela pessoa sufocam, desesperam. Nos vemos sem chão, sem rotina e sem ânimo para seguir em frente, até que o mais triste acontece: perdemos completamente o interesse pela própria vida. Não no sentido trágico da coisa (não é suicídio!), mas acabamos ligando o botão automático da desolação do rompimento e passamos a viver os demais dias sem olhar ao redor e deixando que a vida passe sem ao menos percebermos.

    Pode acontecer para ambos os lados, ou apenas para um, mas é real. Para uns, os sentimentos se exaltam em furor, outros se recolhem em dor. Cansa, castiga, esgota, mas a boa notícia é que sempre passa. Até que um belo dia, nossa chave vira do automático para o manual e acordamos com o sentimento de dever cumprido, de dor sentida, de ferida cicatrizada.

    A partir daí, retomamos as rédeas da nossa vida. Passamos a reinventar nossa própria rotina, admiramos com certo charme a própria solidão e voltamos gostar e nos reencontrar com tudo aquilo que, antes de cairmos de cabeça naquele relacionamento, preenchia nosso tempo e nos fazia feliz. Finalmente, voltamos ao controle da situação e dos nossos sentimentos. Aquele período foi difícil pra caramba (claro que foi!), mas o que nos ensina e amadurece, fica para sempre.

    Aquele CD que estava guardado há um tempo porque o outro não curtia passa a ser a mais deliciosa sintonia durante um trânsito caótico. Aquele reencontro com os amigos que não víamos a meses porque estávamos muito ocupados discutindo a relação, vira a mais divertida festa e passar horas lendo e relendo daquele livro preferido ao invés de acompanhar um jogo de futebol, traz uma felicidade imensa.

    O autoconhecimento também é uma recompensa. Enfim, descobrimos que não somos tão chatos, ranhetas, impacientes e permissivos quanto achávamos. Passamos a entender que aquilo que os outros projetavam ao nosso respeito não é, e nem passa perto da pessoa que realmente somos e conhecemos. Nossa autoimagem pode ter sido distorcida por muito tempo pela lente do outro, mas nesse momento temos a chance de voltar a observar e melhor avaliar nossa vida e personalidade com o nosso microscópio pessoal.

    É duríssimo ter de zerar o cronômetro. Quando as coisas iam bem ou mesmo quando já iam mal, finalizar sempre representará mudança. Todavia, quando a poeira baixar e o mar de confusão sentimental se acalmar, temos a grande chance de reencontrar aquela pessoa que estava escondida dentro de nós mesmos durante todo esse tempo. Se perder no meio do caminho e deixar de viver a nossa própria história é parte do que também justifica o sofrimento pelo fim.

    As vezes não é só a falta do outro que dói, e sim a saudade de nós, daquele “eu mesmo” que deixamos para trás, quando estávamos acostumados não a compartilhar nossa vida dentro de uma relação, mas a viver integralmente a vida do outro.

    “A grama do vizinho, é sempre mais verde”, e nesse sentido, supervalorizamos a vida do outro e, principalmente, suas ideias a nosso respeito. No entanto, ao final, quando tudo já perdeu o sentido, é possível compreender que somos os únicos protagonistas e autores da nossa própria narrativa e principais precursores dos nossos sentimentos. A partir daí não deixamos que ninguém mais distorça isso.

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