• Confiança não depende  do tamanho do salto
  • Confiança não depende


    do tamanho do salto


    Por muito tempo eu permiti que a minha confiança fosse dependente de coisas superficiais, perecíveis e ligadas à aparência; como roupas, cabelo, forma física etc.

    Uma mancha de mostarda em minha camisa, por exemplo, já era suficiente para me deixar completamente inseguro, sentindo-me o mais bostão dos seres desta galáxia. Quando algum barbeiro fazia cagada em meu cabelo – coisa que acontecia direto, não sei por que – eu não queria ir à escola, inventava febres de fritar ovos e tossia, copiosamente, de um jeito que deixaria o Al Pacino com inveja da minha atuação. Uma solitária espinha em minha napa já me fazia declinar convites a festas que eu, hoje, não perderia nem se minha calça rasgasse na bunda ou se um tecão do meu cabelo ficasse acidentalmente preso à porta do metrô. Por causa de uma pancinha, detalhe que hoje considero pra lá de normal – e até charmoso -, eu já permaneci de camiseta na praia, num calor do cão.

    Demorei a perceber que estava perdendo diversas oportunidades fantásticas por causa de condicionamentos bestas, ligações que eu fazia porque não estava bem ligado naquilo que de fato importa, do tipo: nenhuma menina vai me dar moral se a minha camiseta estiver amassada, furada, manchada, fora de moda… Ou ainda: preciso de um corpo legal para me destacar na viagem de formatura. Saca?

    Perdi as contas das vezes em que comprei uma roupa nova para me sentir bem em um aniversário/show/encontro, como se o cu (a confiança, melhor dizendo) tivesse algo a ver com as calças. Eu estava me limitando, criando necessidades fúteis e me aprisionado a eles. E pior: eu não percebia. Agia como se a minha segurança interior fosse defeituosa e, por isso, inteiramente dependente de muletas exteriores para funcionar; e quando eu não as tinha à disposição, nem sequer ousava caminhar. Congelava. Sentia-me despreparado. Escondia-me dentro de desculpas como “Estou muito feio/desarrumado para ir, deixa para a próxima”.

    Mas a vida, felizmente, apresentou-se a pessoas fantásticas; gente que não hesita em ir da praia à balada sem pentear o cabelo ou sofrer porque não dará tempo para passar em casa; que confia na luz própria que tem, sempre chegando no rolê com a cabeça erguida e sorrindo sóis, independente do brilho das coisas que traja; que demonstra confiança justamente porque não está nem aí para todas as besteiras que deixam muitas pessoas inseguras, transformando a própria calvície em piada para iniciar diálogo e camiseta básica/sapatilha/rabo de cavalo na balada em diferencial num mundo em que muitos só conseguem se portar como gigantes quando estão sobre o salto e que diversos seres têm dificuldade para se sentirem bonitos quando estão de cara limpa (por “cara limpa”, entenda “sem maquiagem” e/ou “sóbrios”).

    Não estou dizendo que minha confiança hoje é imune a tudo, não. Vez ou outra, como todo ser normal, acordo com a autoestima mais jururu, cabisbaixa. Contudo, na hora de reerguê-la, busco as ferramentas dentro de mim – e não em shoppings ou em outros lugares que vendem ilusões, tapa-buracos provisórios que, na próxima estação, serão obsoletos para muita gente. Hoje, meus caros, minha confiança não está mais algemada a coisas pra lá de frágeis, como meu cabelo (que está afinando e caindo velozmente), minhas roupas (comumente destruídas pela Cândida) e meu corpo (infelizmente, sujeito aos efeitos corrosivos do tempo). Hoje, meus amigos, eu aprendi a me encarar no espelho sem turvar a visão, dar duas batidas firmes em meu peito e dizer “Você é cara!” – ou “Eu sou o cara!” -, mesmo quando não acordo com a minha melhor cara e naqueles dias em que meu cabelo resolve me desafiar, ficando exatamente como eu não quero que ele fique. E a cada vez que faço isso – e percebo que minha confiança depende mais de mim do que todo o resto -, mais forte e seguro eu me sinto; feito um Popeye que, depois de muitos anos ingerindo placebos – e sofrendo na falta deles -, descobriu o poder do espinafre interior.

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